12/12/2011

O coração está apontado para outro lado

E por muito tempo ela esperou. Chorou. Ficou velha. As rugas apareceram. Aquela marca no coração estava ali, aberta. Sangrando. O tempo não cura nada. Ela esperou muito por aquele telefonema.
Trimmmmm.
E numa tarde quente de verão, ele tocou. E ela ouviu tudo aquilo que esperava ouvir. O coração não disparou, a mão não suou, o estômago não ficou frio. Ela sentiu o cheiro dele, o calor dos dedos longos, lembrou do sexo, das palavras ao pé do ouvido. Como pode dois sentimentos tão distintos misturados? Como pode querer tanto e - de repente - aquilo nao significar nada?
Ela ouviu atentamente o que ele tinha pra dizer. Fez silêncio. Nao teve forças pra dizer nada.
Desligou.
Ela nao conseguia compreender o que estava acontecendo. Estava tudo nublado. Cinza. Confuso. Então, ela percebeu que o cheiro, os dedos longos, o sexo não eram lembranças daquele homem que a deixou esperando por tanto tempo. Eram lembranças do menino-dourado, que apareceu do nada na sua vida e trocou as coisas de lugar.
Tudo ficou claro, o estômago ficou frio, a mão suou, o coração disparou. Ela percebeu que o seu coração está apontado pra outro lado, pra outros olhos, pra outras pernas enroladas nas suas depois de uma noite de amor.
É o menino-dourado com aquele sorriso diferente que fez ela ver outras cores alem do pretoebranco.

21/11/2011

Amanheceu

Cansada daquela vida tacanha
Cinza/nude/preta/off-white
Ela juntou suas coisas e se foi
Deixou no passado as mágoas
E um punhado de sonhos que não faziam mais sentido
desde que viu aquele sorriso pela primeira vez.  
Amanheceu.

18/11/2011

'eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil'

não me canso nunca de ler isso. nunca, nunca, nunca, nunquinha...

(Fernando Pessoa)

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

30/05/2011

E ele tem só 21 anos

Ela percebeu a presença daquele menino assim que ele se sentou naquela mesa lá no fundo do bar. Típico de homens com o jeito dele. Estranho. Ele era estranho. Barba. Cabelo bagunçado.  Sapatilha no pé. E jovem. Ele parecia ser bem mais jovem que ela, mas tudo bem, afinal, alguns anos a menos não podem atrapalhar.
Ela havia passado o dia bebendo. A energia daquele domingo à tarde estava muito intensa. Ela sabia disso. O mais certo, na verdade, é de que a energia intensa era dela. E transbordava a cada novo cigarro, a cada gole de cerveja, a cada trago de cachaça.
O riso estava frouxo e fácil e preciso. Não sabia o que queria. Mas sabia quem queria.
Quando saia sozinha, sem nenhum amigo, ela era diferente. Mais segura. Uma defesa, talvez. Respirava pausadamente e soprava o ar com uma desenvoltura de dar inveja. Segurava o cigarro com uma quebrada de mão sensual.
O segredo podia estar no óculos de sol. Não os tirava nunca.
Disfarçava.
 Parecia triste quando estava feliz. Parecia feliz quando o coração estava partido. Ninguém compreendia aquela garota. Pálida. Nem ela mesma.
O jovem passou e ela decidiu que ele seria sua companhia naquele fim de tarde de outono, com uma brisa fresca que vinha do mar. Levantou. Quando ele voltou do bar os olhares se cruzaram. Ela ficou séria. Nervosa, mesmo que não admitisse. Ele sorriu. Um sorriso grande e de dentes brancos. Ela ficou olhando fixamente praquela boca desenhada e levemente rosada. Úmida.
- Oi.
- Oi.
Ele ficou em dúvida. Ela virou e foi até o bar. Quando a noite começou a chegar, novo reencontro. Mais um sorriso, mais uma troca de olhar. Quando ele já se juntava aos amigos ela o chamou:
- Ei, menino.
Ele olhou imediatamente. Virou aquele corpo grande e perguntou se era com ele. Claro que era com ele. O jovem se aproximou, sorriu e estendeu a mão.
- Prazer.
- Se eu fizesse um convite você aceitaria?
- Claro! Qual?
- Vamos pra minha casa.
- Agora?
- Sim, agora.
- Ok. Vamos.
E ele fazia Francês. Escolheu por gostar dos românticos. E era artista. E já foi mais marginal. E tem só 21 anos. 

14/04/2011

Só era o "melhor amigo"

Ela tinha muitas dúvidas. Estava confusa. Ele não. Na verdade, ele se decidiu naquela noite de verão quando os dois se beijaram pela primeira vez. A certeza veio quando fizeram sexo, na casa dele. Aquele corpo pequeno deitado na sua cama. O sorriso grande e a cara de prazer dela encantaram o jovem que estava com o coração inquieto havia algum tempo. Ela também estava com o coração inquieto. Ficaram juntos por alguns dias. Ela parecia feliz, saiu de mão dada com ele, por alguns instantes achou que estava apaixonada. Ele parecia uma criança, ria o tempo todo. Teve certeza que o amor bateu a sua porta, e que desta vez era pra valer. Ela deu sinais de que ficariam juntos. Se amavam loucamente noite adentro.  Ela se entregou, gozou, falou palavras que nunca deveriam ter sido ditas. Ele acreditou, estava completamente encantado por aquela pele macia que cheirava a chocolate com hortelã. Os dois viajaram, usaram drogas, conheceram cada centímetro do corpo do outro. Quando ele tomou coragem pra dizer que ela era a mulher da vida dele, ela riu. Disse que não podia, que não estava preparada para ser a mulher do “melhor amigo”.
Ele, mais uma vez, chorou.